A governança global da saúde, no contexto da Agenda 2030, foi objeto de um estudo que analisou a responsabilização dos Estados em relação aos indicadores de saúde dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Publicado na revista BioMed Central (BMC), o estudo, conduzido pela Fiocruz por meio dos pesquisadores da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030) Rômulo Paes-Sousa e Ana Luisa Jorge Martins, utilizou os Relatórios Nacionais Voluntários (RNVs) como instrumento para avaliar a conformidade dos indicadores nacionais com o quadro de indicadores globais, explorando as prioridades estratégicas dos Estados e a governança da saúde global de 2016 a 2020.
Os Relatórios Nacionais Voluntários (RNV) são documentos elaborados pelos Estados membros da ONU como parte do acompanhamento e revisão da implementação da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses relatórios são apresentados voluntariamente durante o Fórum Político de Alto Nível (HLPF – sigla em inglês) das Nações Unidas, proporcionando uma plataforma para que os países compartilhem seus progressos, desafios e aprendizados na implementação dos ODS.
Resultados preocupantes
Os resultados do estudo destacam uma preocupante discrepância na frequência de relatórios sobre diferentes temas relacionados à saúde. Embora tenha sido observado um aumento na utilização e consistência dos indicadores de saúde ao longo dos anos estudados, com ênfase em doenças infecciosas e saúde materno-infantil, outros importantes domínios ficaram sub-representados. Áreas cruciais como a cobertura universal de saúde e indicadores dos sistemas de saúde receberam pouca atenção nos RNVs.
Outro aspecto alarmante revelado pelo estudo é a menor responsabilização dos Estados de Alta Renda. Esse grupo de países demonstrou uma tendência preocupante de relatar menos sobre os indicadores de saúde, comparado aos países de menor renda.
Conclusões: capacidades técnicas versus déficits de governança
Os RNVs revelam um paradoxo intrigante onde uma crescente capacidade técnica convive com significativos déficits de governança. Isso pode ser atribuído tanto a capacidades estatísticas quanto a preferências políticas dos Estados. A utilização predominante de indicadores proxy nos RNVs simplifica excessivamente a apresentação dos indicadores oficiais, comprometendo a meta de inovar estatisticamente para medir questões complexas dos ODS.
Governança como complexo regime de saúde
Conforme a concepção do estudo sobre a saúde global da Agenda 2030 como um complexo regime de governança, sugere-se a realização de investigações abrangentes sobre cada cluster de regime de saúde. Este método visa desvendar disputas, identificar padrões e esclarecer as preferências dos Estados em áreas temáticas específicas.
RNVs: mecanismo de adaptabilidade e aprendizado
Funcionando como um mecanismo de responsabilização para a governança da Agenda, as RNVs destacam a adaptabilidade dos Estados e suas capacidades de aprendizado a curto prazo. No entanto, a seleção discricionária de indicadores pelos Estados, permitida pela proposta de adaptação contextual dos ODS e a falta de atenção ao pedido das diretrizes para revisar todos os indicadores dos ODS, revela uma falha crítica nos RNVs como mecanismo de responsabilização.
Este estudo sublinha a necessidade de uma maior fiscalização e transparência na apresentação dos indicadores de saúde, enfatizando que a verdadeira inovação estatística e a governança eficaz só serão alcançadas se todos os Estados se comprometerem de forma equitativa e abrangente com a Agenda 2030.